segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Feliz Natal

Desconforto. Foi o que senti quando veio o aviso de que antes de encerrar o expediente no dia 24 de dezembro, alguém viria fazer uma oração por causa do Natal com todos os funcionários. Entendam, não tenho nada contra orações. Nada contra nenhum tipo de fé. Os antigos Druidas já afirmavam, em sua sabedoria, que todos os deuses são um deus. E fracos como somos, precisamos acreditar em alguma coisa maior do que nós para ter um ponto de apoio.

O que me deixou desconfortável foi o tom do aviso. Porque aquele tom me dizia que não se tratava de um convite, mas de uma ordem. Esperei, em vão, pelo complemento que deveria vir a seguir, informando que os não-cristãos, que não comungassem da mesma fé, eram livres para não participar. Mas nada foi dito nesse sentido. Obviamente, foi uma ordem velada, dita de maneira natural, como se não houvesse nenhuma crença alternativa ao cristianismo. E isso me incomodou. Quando as pessoas começaram a me olhar e dizer “ora, deixe de besteiras, não custa nada você ficar”, eu me senti tão desconfortável que nem conseguia disfarçar.

Esse sentimento desagradável se manifestou porque eu sabia que, se um pai-de-santo fizesse soar os tambores para pedir uma benção aos orixás, o cristão certamente não aceitaria participar. Se um pagão convidasse aquele pastor para participar do Sabat de Yule e receber as bênçãos da Deusa, ele provavelmente recusaria horrorizado o convite sem pensar duas vezes. Mas para mim e para os outros não-cristãos que estavam no trabalho naquele 24 de dezembro, ter uma fé diferente não passava de uma besteira. E nos restavam apenas duas opções: podíamos ficar e orar, ou sairmos e sermos julgados e condenados como intolerantes, como em uma volta à inquisição – só que o fogo não estaria nas fogueiras, mas nos olhares incompreensivos desta vez.

Me incomoda essa certeza propagada pelo cristianismo de que somente a fé deles pode salvar. Não que eu acredite que preciso de salvação. É que as pessoas parecem esquecer que respeito é, obrigatoriamente, uma via de mão dupla. Para ter sua fé respeitada, você precisa saber respeitar a minha. E fé meus caros, - perdoem a deselegância – é igual a cú, cada um tem a sua. Não adianta achar que a sua crença é mais verdadeira, porque ela provavelmente é apenas mais uma crença e só tem valor para quem acredita nela.

Outra coisa importante que os antigos Druidas costumavam dizer é que os rituais e símbolos que utilizamos para estarmos mais próximos das divindades são apenas formas de transformar a fé em algo mais palpável, mais próximo, porque a maioria das pessoas não evoluiu a ponto de poder se entregar a uma fé cega, sem referenciais. E para mim, cada um desses símbolos é apenas uma criação humana, uma questão cultural muitas vezes absorvida de ritos pertencentes a outras crenças que foram subjugadas. Porque religião também é poder.

O Natal é um exemplo claro de absorção de elementos culturais oriundos de povos dominados. Os principais símbolos natalinos têm origem pagã e a própria crença no nascimento do Cristo se adequa ao período em que a maioria das civilizações agrícolas pré-cristãs celebravam o nascimento do deus-solar, durante o solstício de inverno, a noite que representava o ápice da estação fria no hemisfério norte, e a partir da qual os dias passarão a alongar-se e a natureza iniciará seu processo de revitalização. Na Wicca, essa festa é comemorada com o Sabat de Yule, a festa que comemora o nascimento da criança da promessa.

Outros elementos simbólicos do Natal Cristão também possuem uma ligação com as celebrações de Yule e refletem os elementos naturais que permanecem vivos ao longo do inverno, ou que mantém os homens durante esse período. Há, por exemplo, o pinheiro, que se conserva verde durante o inverno, e as frutas secas, nozes e outros alimentos, bastante calóricos e de fácil conservação. Pode parecer loucura, mas é possível que uma das mais significativas festas cristãs, tenha surgido a partir de ritos dos povos que foram perseguidos, julgados e, em alguns casos, condenados e queimados nas fogueiras santas.

Eu contei toda essa história porque estou cansada de ser olhada como um monstro quando digo que não gosto de natal. Acho uma festa hipócrita. Uma desculpa pra fazer farra e trocar presentes – aliás, adoro dar e receber presentes, essa é a melhor parte! E não me venham com esse papinho furado de espírito natalino. Solidariedade, respeito e amor ao próximo são valores que ou você tem durante o ano inteiro ou não tem. E a esperança renasce em mim a cada criança que vem ao mundo. Todos os dias.

Sinceramente, se aquele convite do início do post tivesse sido acompanhado pela certeza de que o cristianismo não é o único, mas sim o caminho escolhido livremente por alguns, e pelo aviso de que só deveria permanecer ali quem realmente desejasse, eu talvez tivesse permanecido e compartilhado daquele momento, mesmo acreditando nas minhas próprias verdades. Ao invés disso eu fiquei ali sem estar, com a cabeça longe, impaciente e inquieta. Sei que foi uma ação bem-intencionada, e acredito na força da fé, seja qual for a sua forma de manifestação. Mas não aprendi a respeitar quem não me respeita.

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