“Ele me usou”, ela disse chorando. E já bateu em mim aquela impaciência habitual. O diálogo seguiu.
- Mas ele te prometeu alguma coisa?
- Ele estava dormindo comigo, saíamos juntos com freqüência.
- Tá. Mas ele te prometeu alguma coisa? Fez juras de amor? Disse que vocês tinham um compromisso?
- Na verdade não falamos muito sobre isso, preferi deixar que as coisas acontecessem.
- Você pelo menos disse a ele como se sentia?
- Não, eu já disse que estava deixando as coisas acontecerem, foi você mesma que me disse para tentar um relacionamento casual.
- Eu disse a você para fazer sexo e não para fazer amor. A gente tem que separar as duas coisas.
- Eu não queria me apaixonar! Não foi de propósito!
- Ah, minha querida nunca é. A gente nunca escolhe quando vai se apaixonar.
Ela chorou por um tempo. E fiquei pensando em como é fácil enxergar os fatos da maneira que é mais conveniente para nós. As emoções pregam peças.
Ela continuou:
- Eu achei que íamos ficar juntos.
- Não gosto muito da idéia de levar as coisas na base do “achômetro”...
- E o que você acha que eu deveria ter feito?
- Querida, olhe para mim. Você conhece minhas histórias. Acha mesmo que sou a mais indicada para dar conselhos sobre amor?
A resposta dela foi mais cruel do que eu gostaria. E doeu.
- Realmente. Você ficou aí com suas frescuras e perdeu qualquer chance de ter em sua cama o homem por quem está apaixonada.
Touché. Respirei fundo.
- Ouça. Pode chamar minha postura como quiser. Eu chamo de jogar limpo. Disse a ele que estava apaixonada e que passear casualmente pela cama dele poderia agravar esse sentimento. Eu teria corrido todos os riscos, mas achei mais justo deixar tudo às claras e permitir que ele decidisse se ia encarar a situação ou não.
- Como é que alguém se apaixona por um homem que nunca comeu?
- Do mesmo jeito que alguém não se apaixona por todos os homens que come.
- Você é ainda mais burra do que eu, sinceramente.
- Está magoada e respeito isso. Mas não tem o direito de ser cruel comigo. Se quiser me achar burra, ache. Pelo menos não estou aqui com esse papinho furado de “fui usada”.
- Mas eu fui usada!
- Meu bem, ele não lhe prometeu nada.
- Mas estava me comendo!
- Querida, eu espero sinceramente que você também tenha comido ele, ou seja, que você também tenha sentido prazer. Porque esse lance de ser ticket-refeição de homem não é digno. Sexo é uma coisa para dois.
- Claro que ele me deu prazer. Mas eu queria mais.
- Pois é, isso é muito perigoso. Quando a gente começa a querer mais a coisa complica. Agora, não acho justo você culpá-lo por um sentimento que é seu. Até porque nem ele te fez promessas de amor eterno, e nem você deixou claro como se sentia.
- Ele me dispensou sem a menor piedade.
- Tem certeza que queria piedade da parte dele? Mesmo relacionamentos sólidos e duradouros às vezes acabam e segurar alguém com base em sentimentos como pena, não me parece uma boa coisa.
- E toda essa sua sinceridade e consciência de blindar a si mesma com a verdade fez as coisas doerem menos?
- Na verdade não.
Elas riram.
- Mas veja bem, pelo menos eu não estou agora no papel de vítima, achando que ele me usou e eu sou uma coitada. Dói. E junto com a dor vem um monte de sentimentos ruins, como tristeza e raiva. A diferença é que não estou aqui buscando bodes espiatórios. Reconheço que fantasiei um pouco, misturei algumas coisas. Reconheço também o mérito dele de deixar claro o que queria e o que não queria.
- É, talvez jogar limpo seja um caminho melhor.
- Não é melhor nem pior, é apenas o caminho que eu escolhi. E não tem sido fácil para ele lidar com essa enxurrada de sentimentos que nunca pediu que eu nutrisse. Porque amiga, saber que ele não tem culpa não significa que eu nunca vou ter atitudes mesquinhas, tentando atingi-lo de alguma forma. Mas eu estou tentando me policiar.
- Legal essa tua preocupação com o outro.
- Não é legal, é uma merda. Adoraria ser mais egoísta.
- Estou tão apaixonada por ele.
- Eu sei. E não estou dizendo que não tem razão em estar triste. Só acho que não devia julgá-lo. Assuma os riscos a que se expôs. Você tentou. Se não deu certo, paciência. Chore, esperneie, sofra, porque tudo isso faz parte. Tá doendo. Só não fique aí achando que é vítima, que foi usada. Ou pense que foi. Pense que foi usada e usou também. Pense que pode vir o próximo e, enquanto você quiser e achar prazeiroso, pode usar à vontade. E se bobear, ainda ganha um cartão de fidelidade para ter direito a uns bônus...
- Só você mesmo para dizer essas coisas.
- E não é verdade? Estamos vivas gata. Mulher também tem sangue correndo nas veias, também tem desejo. A gente se apaixona, se lasca, mas não precisa morrer pro mundo. Pense nisso.
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